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Discurso direto e indireto
O discurso
é direto quando são as personagens que falam. O narrador, interrompendo a
narrativa, as coloca em cena e cede-lhes a palavra. Exemplo:
"-
Por que veio tão tarde? perguntou-lhe Sofia, logo que apareceu à porta do
jardim, em Santa Teresa.
- Depois do almoço, que acabou às duas horas, estive arranjando uns papéis. Mas não é tão tarde assim, continuou Rubião, vendo o relógio; são quatro horas e meia.
- Sempre é tarde para os amigos, replicou Sofia, em ar de censura."
- Depois do almoço, que acabou às duas horas, estive arranjando uns papéis. Mas não é tão tarde assim, continuou Rubião, vendo o relógio; são quatro horas e meia.
- Sempre é tarde para os amigos, replicou Sofia, em ar de censura."
(Machado
de Assis, Quincas Borba, cap. XXXIV)
No discurso
indireto não há diálogo, o narrador não põe as personagens a falar diretamente,
mas faz-se o intérprete delas, transmitindo ao leitor o que disseram ou
pensaram. Exemplo:
"A
certo ponto da conversação, Glória me disse que desejava muito conhecer Carlota
e perguntou por que não a levei comigo."
Para
você ver como fica fácil vou passar o exemplo acima para o discurso direto:
-
Desejo muito conhecer Carlota - disse-me Glória, a certo ponto da conversação.
Por que não a trouxe consigo?
Veja
mais
Tipos
de Discurso
As
falas - ou discursos - podem ser estruturadas de duas formas básicas,
dependendo de como o narrador as reproduz: o discurso direto e o discurso
indireto.
Discurso
Direto
O discurso
direto caracteriza-se pela reprodução fiel da fala do personagem.
COISA
INCRÍVEIS NO CÉU E NA TERRA
De uma
feita, estava eu sentado sozinho num banco da Praça da Alfândega quando
começaram a acontecer coisas incríveis no céu, lá para as bandas da Casa de
Correção: havia uns tons de chá, que se foram avinhando e se transformaram nuns
roxos de insuportável beleza. Insuportável, porque o sentimento de beleza tem
de ser compartilhado. Quando me levantei, depois de findo o espetáculo, havia
umas moças conhecidas, paradas à esquina da Rua da Ladeira.
- Que
crepúsculo fez hoje! - disse-lhes eu, ansioso de comunicação.
- Não, não reparamos em nada - respondeu uma delas. - Nós estávamos aqui esperando Cezimbra.
- Não, não reparamos em nada - respondeu uma delas. - Nós estávamos aqui esperando Cezimbra.
E
depois ainda dizem que as mulheres não têm senso de abstração...
Mário
Quintana
As
falas do personagem-narrador e de uma das moças, reproduzidas integralmente e
introduzidas por travessão, são exemplos do discurso direto. No discurso direto,
a fala do personagem é, via de regra, acompanhada por um verbo de elocução,
seguido de dois-pontos. Verbo de elocução é o verbo que indica a fala do
personagem: dizer, falar, responder, indagar, perguntar, retrucar, afirmar,
etc.
No
exemplo apresentado, o autor utiliza verbos de elocução ("disse-lhes
eu", "respondeu uma delas), mas abre mão dos dois-pontos.
Numa
estrutura mais tradicional teríamos:
"...
havia umas moças conhecidas, paradas à esquina da Rua da Ladeira. Ansioso de
comunicação, disse-lhes eu:
- Que crepúsculo fez hoje!
- Que crepúsculo fez hoje!
Respondeu-me
uma delas:
- Não, não reparamos em nada."
- Não, não reparamos em nada."
Discurso
Indireto
O discurso
indireto ocorre quando o narrador utiliza suas próprias palavras para
reproduzir a fala de um personagem.
No discurso
indireto também temos a presença de verbo de elocução (núcleo do predicado da
oração principal), seguido de oração subordinada (fala do personagem). É o que
ocorre na seguinte passagem.
"Dona
Abigail sentou-se na cama, sobressaltada, acordou o marido e disse que havia
sonhado que iria faltar feijão. Não era a primeira vez que esta cena ocorria.
Dona Abigail consciente de seus afazeres de dona-de-casa vivia constantemente
atormentada por pesadelos desse gênero. E de outros gêneros, quase todos
alimentícios. Ainda bêbado de sono o marido esticou o braço e apanhou a
carteira sobre a mesinha de cabeceira: 'Quanto é que você quer?'"
NOVAES,
Carlos Eduardo. O sonho do feijão.
Nesse
trecho, temos a fala (discurso) de dois personagens: a do marido ('Quanto é que
você quer') e a de Dona Abigail que disse ao marido "que havia sonhado que
iria faltar feijão".
Ao
contrário da fala do marido, em que o narrador reproduz fielmente as palavras
do personagem, a fala de Dona Abigail não é reproduzida como as palavras que
ela teria utilizado naquele momento. O narrador é quem reproduz com suas
próprias palavras aquilo que Dona Abigail teria dito. Temos aí um exemplo de discurso
indireto.
Veja
como ficaria o trecho acima se fosse utilizado o discurso direto:
"Dona
Abigail sentou-se na cama, sobressaltada, acordou o marido e disse-lhe:
- Sonhei que vai faltar feijão."
- Sonhei que vai faltar feijão."
Verifique
que, ao transformar o discurso indireto em discurso direto, o verbo de elocução
(disse) se manteve, o conectivo (que) desapareceu e a fala da personagem passou
a ser marcada por sinal de pontuação.
Veja,
ainda, que o verbo sonhar, que no discurso indireto se encontrava no pretérito
mais-que-perfeito composto (havia sonhado), no discurso direto passa para o
pretérito perfeito simples (sonhei), e o verbo ir, que no discurso indireto estava
no pretérito (iria), no discurso direto aparece no presente do indicativo
(vai).
Repare
que o tempo verbal, no discurso indireto, será sempre passado em relação ao
tempo verbal do discurso direto. Reproduzimos, a seguir, um quadro com as
respectivas relações:
Verbo
no presente do indicativo:
|
- Não
bebo dessa água - afirmou a menina.
|
Verbo
no pretérito imperfeito do indicativo:
|
- A
menina afirmou que não bebia daquela água.
|
Verbo
no pretérito perfeito:
|
-
Perdi meu guarda-chuva - disse ele.
|
Verbo
no pretérito mais-que-perfeito:
|
Ele
disse que tinha perdido seu guarda-chuva.
|
Verbo
no futuro do indicativo:
|
-
Irei ao jogo.
|
Verbo
no futuro do pretérito:
|
Ele
confessou que iria ao jogo.
|
Verbo
no imperativo:
|
-
Aplaudam! - ordenou o diretor.
|
Verbo
no pretérito imperfeito do subjuntivo:
|
O
diretor ordenou que aplaudíssemos.
|
Discurso
Indireto Livre
Finalmente,
há um caso misto de reprodução das falas dos personagens em que se fundem
palavras do narrador e palavras dos personagens; trata-se do discurso direto livre.
Observe a seguinte passagem do romance As meninas, de Lygia Fagundes Telles.
"Aperto
o copo na mão. Quando Lorena sacode a bola de vidro a neve sobe tão leve.
Rodopia flutuante e depois vai caindo no telhado, na cerca e na menininha de
capuz vermelho. Então ela sacode de novo. 'Assim tenho neve o ano inteiro'. Mas
por que neve o ano inteiro? Onde é que tem neve aqui? Acha lindo a neve. Uma
enjoada. Trinco a pedra de gelo nos dentes."
Na
forma do discurso direto, teríamos:
"Então
ela sacode de novo e diz:
- Assim tenho neve o ano inteiro.
Mas por que neve o ano inteiro?"
- Assim tenho neve o ano inteiro.
Mas por que neve o ano inteiro?"
Na
forma do discurso indireto, teríamos:
"Então
ela sacode de novo e diz que assim tem neve o ano inteiro."
Outro
Exemplo
Discurso
Direto
- Bom
dia. Estou procurando um vestido para minha mulher.
- O senhor sabe o número dela?
- Ela é meio gordinha.
- O maior tamanho que temos é 44.
- Acho que é esse o número dela. Ou 44 ou 88.
- Vou apanhar uns modelos para o senhor ver.
- O senhor sabe o número dela?
- Ela é meio gordinha.
- O maior tamanho que temos é 44.
- Acho que é esse o número dela. Ou 44 ou 88.
- Vou apanhar uns modelos para o senhor ver.
Discuro
Indireto (conta com o narrador)
O homem
entrou na loja, saudou o vendedor e lhe disse que estava procurando um vestido
para sua mulher. O vendedor lhe perguntou o número e ele apenas disse que sua
mulher era um pouco gorda, ao que o vendedor respondeu que o maior número que
tinham na loja era o 44. O homem afirmou que esse era o número dela, mas que
também podia ser o 88. O vendedor saiu e foi buscar alguns modelos para que o
homem pudesse vê-los."
Veja
mais ainda:
Aí vai
tudo o que você precisa saber sobre o assunto, diretamente de um dos maiores
gramáticos brasileiros: Celso Cunha:
Discurso
direto
Examinando
este passo do conto Guaxinim do banhado, de Mário de Andrade:
"O
Guaxinim está inquieto, mexe dum lado pra outro. Eis que suspira lá na língua
dele - "Chente! que vida dura esta de guaxinim do banhado!..."
verificamos
que o narrado, após introduzir o personagem, o guaxinim, deixou-o expressar-se
"Lá na língua dele", reproduzindo-lhe a fala tal como ele a teria
organizado e emitido.
A essa
forma de expressão, em que o personagem é chamado a apresentar as suas próprias
palavras, denominamos discurso direto.
Observação
No
exemplo anterior, distinguimos claramente o narrador, do locutor, o guaxinim.
Mas o
narrador e locutor podem confundir-se em casos como o das narrativas
memorialistas feitas na primeira pessoa. Assim, na fala de Riobaldo, o
personagem-narrador do romance de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
"Assaz
o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra
banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do que em primeiro se pensou.
Viver nem não é muito perigoso?"
Ou,
também, nestes versos de Augusto Meyer, em que o autor, liricamente
identificado com a natureza de sua terra, ouve na voz do Minuano o convite que,
na verdade, quem lhe faz é a sua própria alma:
"Ouço
o meu grito gritar na voz do vento:
- Mano Poeta, se enganche na minha garupa!"
- Mano Poeta, se enganche na minha garupa!"
Características
do discurso direto
1. No
plano formal, um enunciado em discurso direto é marcado, geralmente, pela
presença de verbos do tipo dizer, afirmar, ponderar, sugerir, perguntar,
indagar ou expressões sinônimas, que podem introduzi-lo, arrematá-lo ou nele se
inserir:
"E
Alexandre abriu a torneira:
- Meu pai,
homem de boa família, possuía fortuna grossa, como não ignoram."
(Graciliano Ramos)
"Felizmente, ninguém tinha morrido - diziam em redor." (Cecília Meirelles)
"Os que não têm filhos são órfãos às avessas", escreveu Machado de Assis, creio que no Memorial de Aires. (A.F. Schmidt)
"Felizmente, ninguém tinha morrido - diziam em redor." (Cecília Meirelles)
"Os que não têm filhos são órfãos às avessas", escreveu Machado de Assis, creio que no Memorial de Aires. (A.F. Schmidt)
Quando
falta um desses verbos dicendi, cabe ao contexto e a recursos gráficos - tais
como os dois pontos, as aspas, o travessão e a mudança de linha - a função de
indicar a fala do personagem. É o que observamos neste passo:
"Ao
aviso da criada, a família tinha chegado à janela. Não avistaram o menino:
- Joãozinho!
Nada. Será que ele voou mesmo?"
- Joãozinho!
Nada. Será que ele voou mesmo?"
2. No
plano expressivo, a força da narração em discurso direto provém essencialmente
de sua capacidade de atualizar o episódio, fazendo emergir da situação o
personagem, tornando-o vivo para o ouvinte, à maneira de uma cena teatral, em
que o narrador desempenha a mera função de indicador das falas.
Daí ser
esta forma de relatar preferencialmente adotada nos atos diários de comunicação
e nos estilos literários narrativos em que os autores pretendem representar
diante dos que os lêem "a comédia humana, com a maior naturalidade
possível". (E. Zola)
Discurso
indireto
1.
Tomemos como exemplo esta frase de Machado de Assis:
"Elisiário
confessou que estava com sono."
Ao
contrário do que observamos nos enunciados em discurso direto, o narrador
incorpora aqui, ao seu próprio falar, uma informação do personagem (Elisiário),
contentando-se em transmitir ao leitor o seu conteúdo, sem nenhum respeito à
forma linguística que teria sido realmente empregada.
Este
processo de reproduzir enunciados chama-se discurso indireto.
2.
Também, neste caso, narrador e personagem podem confundir-se num só:
"Engrosso
a voz e afirmo que sou estudante." (Graciliano Ramos)
Características
do discurso indireto
1. No
plano formal verifica-se que, introduzidas também por um verbo declarativo
(dizer, afirmar, ponderar, confessar, responder, etc), as falas dos personagens
se contêm, no entanto, numa oração subordinada substantiva, de regra
desenvolvida:
"O
padre Lopes confessou que não imaginara a existência de tantos doudos no mundo
e menos ainda o inexplicável de alguns casos."
Nestas
orações, como vimos, pode ocorrer a elipse da conjunção integrante:
"Fora
preso pela manhã, logo ao erguer-se da cama, e, pelo cálculo aproximado do
tempo, pois estava sem relógio e mesmo se o tivesse não poderia consultá-la à
fraca luz da masmorra, imaginava podiam ser onze horas." (Lima Barreto)
A
conjunção integrante falta, naturalmente, quando, numa construção em discurso
indireto, a subordinada substantiva assume a forma reduzida.:
"Um
dos vizinhos disse-lhe serem as autoridades do Cachoeiro." (Graça Aranha)
2. No
plano expressivo assinala-se, em primeiro lugar, que o emprego do discurso indireto
pressupõe um tipo de relato de caráter predominantemente informativo e
intelectivo, sem a feição teatral e atualizadora do discurso direto. O narrador
passa a subordinar a si o personagem, com retirar-lhe a forma própria da
expressão. Mas não se conclua daí que o discurso indireto seja uma construção
estilística pobre. É, na verdade, do emprego sabiamente dosado de um e de outro
tipo de discurso que os bons escritores extraem da narrativa os mais variados
efeitos artísticos, em consonância com intenções expressivas que só a análise
em profundidade de uma dada obra pode revelar.
Transposição
do discurso direto para o indireto
Do
confronto destas duas frases:
"-
Guardo tudo o que meu neto escreve - dizia ela." (A.F. Schmidt)
"Ela dizia que guardava tudo o que o seu neto escrevia."
"Ela dizia que guardava tudo o que o seu neto escrevia."
verifica-se
que, ao passar-se de um tipo de relato para outro, certos elementos do
enunciado se modificam, por acomodação ao novo molde sintático.
a)
Discurso direto enunciado 1ª ou 2ª pessoa.
"-Devia
bastar, disse ela; eu não me atrevo a pedir mais." (M. de Assis)
Discurso
indireto: enunciado em 3ª pessoa:
"Ela
disse que deveria bastar, que ela não se atrevia a pedir mais"
b)
Discurso direto: verbo enunciado no presente:
"-
O major é um filósofo, disse ele com malícia." (Lima Barreto)
Discurso
indireto: verbo enunciado no imperfeito:
"Disse
ele com malícia que o major era um filósofo."
c) Discurso
direto: verbo enunciado no pretérito perfeito:
"-
Caubi voltou, disse o guerreiro Tabajara."(José de Alencar)
Discurso
indireto: verbo enunciado no pretérito mais-que-perfeito:
"O
guerreiro Tabajara disse que Caubi tinha voltado."
d) Discurso
direto: verbo enunciado no futuro do presente:
"-
Virão buscar V muito cedo? - perguntei."(A.F. Schmidt)
Discurso
indireto: verbo enunciado no futuro do pretérito:
"Perguntei
se viriam buscar V. muito cedo"
e) Discurso
direto: verbo no modo imperativo:
"-
Segue a dança! , gritaram em volta. (A. Azevedo)
Discurso
indireto: verbo no modo subjuntivo:
"Gritaram
em volta que seguisse a dança."
f) Discurso
direto: enunciado justaposto:
"O
dia vai ficar triste, disse Caubi."
Discurso
indireto: enunciado subordinado, geralmente introduzido pela integrante que:
"Disse
Caubi que o dia ia ficar triste."
g) Discurso
direto:: enunciado em forma interrogativa direta:
"Pergunto
- É verdade que a Aldinha do Juca está uma moça encantadora?" (Guimarães
Rosa)
Discurso
indireto: enunciado em forma interrogativa indireta:
"Pergunto
se é verdade que a Aldinha do Juca está uma moça encantadora."
h) Discurso
direto: pronome demonstrativo de 1ª pessoa (este, esta, isto) ou de 2ª pessoa
(esse, essa, isso).
"Isto
vai depressa, disse Lopo Alves."(Machado de Assis)
Discurso
indireto: pronome demonstrativo de 3ª pessoa (aquele, aquela, aquilo).
"Lopo
Alves disse que aquilo ia depressa."
i) Discurso
direto: advérbio de lugar aqui:
"E
depois de torcer nas mãos a bolsa, meteu-a de novo na gaveta, concluindo:
- Aqui, não está o que procuro."(Afonso Arinos)
- Aqui, não está o que procuro."(Afonso Arinos)
Discurso
indireto: advérbio de lugar ali:
"E
depois de torcer nas mãos a bolsa, meteu-a de novo na gaveta, concluindo que
ali não estava o que procurava."
Discurso
indireto livre
Na
moderna literatura narrativa, tem sido amplamente utilizado um terceiro
processo de reprodução de enunciados, resultante da conciliação dos dois
anteriormente descritos. É o chamado discurso indireto livre, forma de
expressão que, ao invés de apresentar o personagem em sua voz própria (discurso
direto), ou de informar objetivamente o leitor sobre o que ele teria dito (discurso
indireto), aproxima narrador e personagem, dando-nos a impressão de que passam
a falar em uníssono.
Comparem-se
estes exemplos:
"Que
vontade de voar lhe veio agora! Correu outra vez com a respiração presa. Já nem
podia mais. Estava desanimado. Que pena! Houve um momento em que esteve
quase... quase!
Retirou as asas e estraçalhou-a. Só tinham beleza. Entretanto, qualquer urubu... que raiva... " (Ana Maria Machado)
"D. Aurora sacudiu a cabeça e afastou o juízo temerário. Para que estar catando defeitos no próximo? Eram todos irmãos. Irmãos." (Graciliano Ramos)
"O matuto sentiu uma frialdade mortuária percorrendo-o ao longo da espinha.
Era uma urutu, a terrível urutu do sertão, para a qual a mezinha doméstica nem a dos campos possuíam salvação.
Perdido... completamente perdido..."
Retirou as asas e estraçalhou-a. Só tinham beleza. Entretanto, qualquer urubu... que raiva... " (Ana Maria Machado)
"D. Aurora sacudiu a cabeça e afastou o juízo temerário. Para que estar catando defeitos no próximo? Eram todos irmãos. Irmãos." (Graciliano Ramos)
"O matuto sentiu uma frialdade mortuária percorrendo-o ao longo da espinha.
Era uma urutu, a terrível urutu do sertão, para a qual a mezinha doméstica nem a dos campos possuíam salvação.
Perdido... completamente perdido..."
( H. de
C. Ramos)
Características
do discurso indireto livre
Do
exame dos enunciados em itálico comprova-se que o discurso indireto livre
conserva toda a afetividade e a expressividade próprios do discurso direto, ao
mesmo tempo que mantém as transposições de pronomes, verbos e advérbios típicos
do discurso indireto. É, por conseguinte, um processo de reprodução de
enunciados que combina as características dos dois anteriormente descritos.
1. No
plano formal, verifica-se que o emprego do discurso indireto livre
"pressupõe duas condições: a absoluta liberdade sintática do escritor
(fator gramatical) e a sua completa adesão à vida do personagem (fator
estético) " (Nicola Vita In: Cultura Neolatina).
Observe-se
que essa absoluta liberdade sintática do escritor pode levar o leitor desatento
a confundir as palavras ou manifestações dos locutores com a simples narração.
Daí que, para a apreensão da fala do personagem nos trechos em discurso
indireto livre, ganhe em importância o papel do contexto, pois que a passagem
do que seja relato por parte do narrador a enunciado real do locutor é, muitas
vezes, extremamente sutil, tal como nos mostra o seguinte passo de Machado de
Assis:
"Quincas
Borba calou-se de exausto, e sentou-se ofegante. Rubião acudiu, levando-lhe
água e pedindo que se deitasse para descansar; mas o enfermo após alguns
minutos, respondeu que não era nada. Perdera o costume de fazer discursos é o
que era."
2. No
plano expressivo, devem ser realçados alguns valores desta construção híbrida:
a)
Evitando, por um lado, o acúmulo de quês, ocorrente no discurso indireto, e,
por outro lado, os cortes das oposições dialogadas peculiares ao discurso direto,
o discurso indireto livre permite uma narrativa mais fluente, de ritmo e tom
mais artisticamente elaborados;
b) O
elo psíquico que se estabelece entre o narrador e personagem neste molde
frásico torna-o o preferido dos escritores memorialistas, em suas páginas de monólogo
interior;
c)
Finalmente, cumpre ressaltar que o discurso indireto livre nem sempre aparece
isolado em meio da narração. Sua "riqueza expressiva aumenta quando ele se
relaciona, dentro do mesmo parágrafo, com os discursos direto e indireto
puro", pois o emprego conjunto faz que para o enunciado confluam,
"numa soma total, as características de três estilos diferentes entre
si".
Fonte:
Celso Cunha in Gramática da Língua Portuguesa, 2ª edição, MEC-FENAME.